Em um ano especialmente difícil para as previsões a respeito dos prêmios de Hollywood, o Globo de Ourodecidiu ignorar os favoritos e premiou Bohemian Rhapsody como melhor drama e Green Book como melhor comédia. A decepção foi maiúscula para o filme com mais indicações, Vice, e para um dos fenômenos de crítica e público do ano, Nasce Uma Estrela, que só recebeu o prêmio de melhor canção. Em meio às surpresas, a 76ª edição do Globo de Ouro consagrou, como se esperava, o drama Roma, de Alfonso Cuarón, que saiu com dois troféus.
Roma triunfou dentro das possibilidades oferecidas pelas regras do Globo de Ouro. Relegado à categoria de melhor filme estrangeiro, levou esse prêmio, mas Alfonso Cuaróntambém foi eleito o melhor diretor, superando Bradley Cooper, Adam McKay, Spike Lee e Peter Farrelly. O sorriso de Ted Sarandos, diretor de conteúdo da Netflix, dizia tudo. A plataforma on-line conseguiu que Hollywood inteira visse este filme, e o feito de Cuarón colocou a indústria aos seus pés. Esta é a aposta da Netflix para conseguir seu primeiro Oscar de melhor filme. O Globo de Ouro não têm nada a ver com os prêmios da Academia, mas o triunfo de Cuarón indica que ele obteve o impacto necessário.
Nas duas vezes em que subiu ao palco, Cuarón agradeceu às mulheres que sustentam o filme e que interpretam a babá da sua infância e a sua mãe. “Sinto que estou enganando um pouco ao aceitar este prêmio, porque muito do que fiz foi ser testemunha de Marina da Tavira e Yalitza Aparicio. Este filme foi dirigido por Libo [a empregada de sua infância, que inspirou a protagonista], por minha mãe e por minha família, e sobretudo por este lugar que me criou. Muito obrigado, México.”
Este foi o segundo Globo de Ouro de melhor direção para Cuarón, que ganhou em 2013 por Gravidade. Desde então, o prêmio foi dado também a Alejandro González Iñárritu e Guillermo del Toro. Cuarón prossegue assim a assombrosa saga dos diretores mexicanos em Hollywood na última década. Todos os prêmios anteriores foram para longas-metragens de grandes estúdios dirigidos por mexicanos. Este não. “Este prêmio tem mais significado porque é um filme mexicano, em espanhol e mixteco, em preto e branco, e sobre um personagem invisível no cinema e na sociedade”, disse Cuarón depois, na sala de imprensa.
Vice, filme com mais indicações na noite, foi desbancado como melhor comédia por Green Book. Peter Farrelly dirige uma das duplas do ano na tela, Viggo Mortensen e Mahershala Ali, em uma viagem pelo sul profundo dos Estados Unidos do começo dos anos sessenta, em plena era da segregação racial. O filme, inspirado numa história real, lança uma mensagem otimista de concórdia que Farrelly, ao receber o prêmio, quis trazer para os tempos atuais. O filme recebeu também os troféus de melhor roteiro e o de ator coadjuvante para Ali.
No caso de Bohemian Rhapsody, a surpresa foi absoluta no hotel Beverly Hilton. O prêmio dado a Rami Malek constava nos bolões de apostas. Mas não que o filme fosse levar o troféu principal, superando Nasce Uma Estrela, Pantera Negrae Infiltrado na Klan. A Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que concede o prêmio, decidiu assumir o papel de outsider nesta temporada. Este é, entre todos, o prêmio no qual menos importam as convenções e bolões (só 88 pessoas votam para decidi-lo). Mas a aposta é muito arriscada, e não só do ponto de vista da qualidade. Em poucos minutos, as redes sociais estavam recordando que o diretor do filme, Bryan Singer, foi denunciado por estuprar um menor. Ele nega.
Christian Bale levou o prêmio de melhor ator de comédia pela incrível presença que ostenta em Vice ao interpretar o ex-vice-presidente Dick Cheney. É a interpretação mais aclamada do ano junto com as de Bradley Cooper (com quem não competia) e Viggo Mortensen. As transformações físicas costumam seduzir os jurados dos prêmios, e a de Bale é das melhores já vistas. “Vou entrar no mercado dos babacas sem carisma”, disse Bale no palco. “Que tal Mitch McConell?” disparou, em referência ao factótum republicano no Senado dos Estados Unidos. De passagem, agradeceu “a Satã” pela inspiração para o personagem.
O prêmio a melhor atriz em um drama foi para Glenn Close, por A Esposa. Close, de 71 anos, recebeu o prêmio às lágrimas. “Penso em minha mãe, que passou a vida cuidando do meu pai. Acho que aos seus 80 anos me disse que não consegui nada. Espera-se de nós que sejamos cuidadoras, mas temos que encontrar tempo para dizer: ‘Posso fazer isso e vou fazer’.” Foi o momento mais emocionante da festa.
O casal mais procurado desta temporada de prêmios, Bradley Cooper e Lady Gaga, ficou sem prêmios por suas atuações. O Globo de Ouro de melhor ator de drama foi para Rami Malek por se transformar em Freddie Mercury em Bohemian Rhapsody. Brian May e Roger Taylor estavam sentados na plateia.
Lady Gaga ficou sem o prêmio de melhor atriz, mas subiu ao palco para receber o prêmio de melhor música, por Shallow. A canção, que assina com Mark Ronson, é algo mais do que um acompanhamento de Nasce Uma Estrela; é por si só um dos momentos mais emocionantes do filme e uma das pernas da história. A melhor trilha sonora foi para Justin Hurwitz, o cérebro por trás de La La Land, pela música de O Primeiro Homem. Venceu O Retorno de Mary Poppins, um enorme desafio para o qual Marc Shaiman criou uma trilha sonora completamente nova.
O boato em Hollywood é que a Academia de Cinema, após o fiasco de Kevin Hart, está pensando em fazer o Oscar sem apresentador. A cada semana que passa é mais difícil alguém aceitar o trabalho com tão pouco tempo para prepará-lo. Os atores Andy Samberg e Sandra Oh, com o seu pouco marcante trabalho como apresentadores deste Globo, demonstraram neste domingo que é perfeitamente possível.
Sandra Oh, no entanto, brilhou por mérito próprio na festa ao receber o prêmio de melhor atriz de série dramática de televisão por Killing Eve. O prêmio veio depois de fazer um discurso sincero sobre a importância de um filme que fez muito sucesso de bilheteria dos Estados Unidos, como Podres de Ricos, teve para a representação dos asiáticos americanos em Hollywood.
Lady Gaga ficou sem o prêmio de melhor atriz, mas subiu ao palco para receber o prêmio de melhor música, por Shallow
Em 1952, a Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood estabeleceu um prêmio honorário que levaria o nome de Cecil B. De Mille, um dos titãs que inventaram Hollywood. O primeiro a receber o prêmio foi o próprio De Mille. Neste ano, o grupo inaugurou um prêmio pelo conjunto da carreira na televisão com o nome de Carol Burnett. Quem o recebeu –não poderia ser menos–, foi Carol Burnett, aos 85 anos. Qualificá-la como uma lenda da televisão americana seria pouco. A primeira mulher a ter um programa próprio, ganhadora de uma dúzia de prêmios entre o Globo de Ouro e o Emmy. “Às vezes sonho em ser jovem novamente e fazer tudo de novo”, disse Burnett do palco. “E então percebo a sorte que tive de estar lá quando tudo começou.”
O prêmio honorário no cinema foi recebido por Jeff Bridges. Chris Pine o chamou de “your dudeness” piada intraduzível com o personagem de The Dude, de O Grande Lebowski, filme cult que transformou em lenda há 20 anos um ator que já tinha uma carreira de primeiro nível (A Última Sessão de Cinema, Tron, Starman, Susie e os Baker Boys, O Pescador de Ilusões, Tucker – Um Homem e seu Sonho). Ele agradeceu Peter Bogdanovich, o diretor que lançou sua carreira, e os irmãos Coen, que lhe deram o papel de sua vida. Os prêmios honorários têm de ser indiscutíveis para que funcionem. Os dois deste domingo o foram.
Na televisão, o reinado de The Marvelous Ms. Maisel deu lugar a O Método Kominsky, uma ótima comédia em capítulos de meia hora da Netflix sobre a amizade de dois velhos amigos de Hollywood. Rachel Brosnahan ganhou o Globo de Ouro pelo papel de Ms. Maisel, mas Michael Douglas recebeu o prêmio por Sandy Kominsky. A série é a melhor comédia do ano para a Associação da Imprensa Estrangeira, que se orgulha de descobrir coisas novas para o público nos prêmios de televisão. Não pôde fazê-lo nas outras duas categorias. O prêmio de melhor drama foi para The Americans, em sua despedida, e o de melhor minissérie foi para O Assassinato de Gianni Versace, dois trabalhos já premiados no Emmy.